Em 2019 eu dava aproximadamente 10 sessões de mentoria por dia.

Some isso a comer, me exercitar e (com sorte) dormir…

Não sobra tempo pra muita coisa.

Uma vida miserável para muitos.

Pra mim?

Perfeita.

Veja bem…

Se estou ocioso, minha mente vai para os lugares mais sombrios.

Uma agenda cheia era sinônimo de distração para meu cruel sabotador interno.

Assim, segui durante meses.

Preenchendo cada segundo das minhas 24h.

Inclusive nos fins de semana.

Fugindo dos meus pensamentos.

E me enganando.

Dizendo que estava bem.

Até que em uma segunda-feira qualquer, tudo mudou.

Naquela jornada em específico, eu tinha 12 atendimentos.

Fui tocando as sessões ininterruptas.

Das 8h da manhã até 20h da noite. 

Quando chegou no meio da tarde, só faltavam três.

Algo inusitado ocorreu.

A trinca derradeira de clientes cancelou os encontros.

E assim, eu tinha algumas horas livres.

Ao invés de celebrar, ir encontrar amigos ou até descansar…

Tive um surto de ansiedade.

Foi como se meu sofrimento engarrafado tivesse sido libertado pelo espaço que sobrou em minha agenda. 

Tentei em vão preencher o buraco com potenciais atendidos em lista de espera.

Claro que não deu certo.

E só o que sobrou foi o desconforto.

Que por sinal, durou uma madrugada inteira.

Tão insone quanto cruel.

No meio da noite, levantei da cama e decidi buscar uma solução.

Após algumas horas nervosas de pesquisas no Google, me deparei com o que poderia ser uma:

Um retiro de silêncio no interior de Sâo Paulo chamado Vipassana.

Mal me informei sobre a metodologia.

O que pensei foi:

Vou levar dezenas de livros, cadernos, vou fazer flexões, correr em torno da propriedade…

Vou fazer da oportunidade um SPA e voltar mais forte, física e mentalmente.

Me inscrevi com confiança.

Algumas semanas depois, estava embarcando para a Cidade da Garoa sem ideia do que me esperava.

Entrei em um ônibus do centro para a parte mais rural da capital e peguei no sono, abraçado em minha mala, que guardava meu arsenal de segurança.

Ao chegar no sítio onde a imersão aconteceria, fui convidado a me apresentar para o Monge que coordenava toda a experiência.

Achei que iria ouvir algumas palavras de encorajamento. 

Doce ilusão.

Ele me pediu pra abrir a mochila.

E confiscou meu celular, livros e caderno.

Ficar 10 dias sem telefone?

Pra mim é uma benção.

Mas sem ler e escrever?

Como vou dar vazão pra uma mente inquieta?

Já estava segurando o choro quando soube da condição.

Mas abri o berreiro quando a notícia ficou pior.

● Última coisa… percebi que você tem bastante massa muscular, mas por aqui exercícios são proibidos, ok? 

Saí correndo para o meu quarto e já nos primeiros minutos toda a palpitação que ocupava meu peito conheceu o mundo através de lágrimas desesperadas.

Se estou me sentindo assim e a experiência mal começou…

Como ficarei em 2,3,10 dias…sem ler, escrever e me exercitar?

Sem nada, encarando apenas meus piores traumas?

Quando me deparei com essa realidade, já eram quase 21h.

No dia seguinte, teria que acordar 4h da manhã para começar a maratona de meditações.

● Vou dormir pra ver se passa

Pura inocência. 

Ao fechar os olhos, os pensamentos se tornaram barulho.

Minha mente simulava um rádio ligado em todas as estações ao mesmo tempo.

Em determinado momento naquele luar aterrorizante, tive a impressão de que meu sabotador interno ganhou vida.

Foi como se ele tivesse saído de dentro de mim.

E virado um monstro com iniciativa própria.

Que pairava no teto do quarto, gritando maldições como:

● Você vai enlouquecer nesse lugar!

● Seu moleque mimado, achou que ia vencer.

Acreditei em cada uma daquelas sentenças.

Peguei minhas malas correndo, passei na sala do monge, coletei meus pertences.

Literalmente fugi escondido do retiro, sem avisar ninguém.

Peguei o primeiro taxi que vi na rua.

Desesperado ao pisar no aeroporto, passei meu cartão de crédito e até hoje não sei quanto paguei na passagem de emergência.

Em algumas horas estava no colo da minha mãe.

São e salvo?

Nem perto.

Fui pro meio do nada me curar.

E voltei com as feridas ainda mais expostas.

E agora?

Após sair do conforto da casa dos meus pais, imaginei que estar de volta em meu apartamento faria os fantasmas irem embora.

Mas não.

Os demônios que deram as caras no interior de São Paulo pegaram o avião comigo para a Cidade Maravilhosa.

O meu sentimento, mesmo na cama que vinha dormindo há anos, era ainda mais desesperador.

No retiro as circunstâncias justificam tamanho pânico.